Vida rara


Meu rosto, marcado com sulcos, mostra a erosão dos vendavais que varreram antigos e inconsequentes sonhos. Calos, que outrora protegeram as minhas mãos, agora doem. Estradas íngremes, que nunca evitei, racharam os meus calcanhares.

Meu olhar se aquieta. Desisti das euforias pueris. Despedi censores internos; eles tonsuravam minha pouca criatividade. Lentamente procurei tangenciar mundos que jamais cogitara explorar. Aprendi a soletrar novos alfabetos, a solfejar novas músicas, a recitar novos sonetos. Espero. Meu coração desacelerou.

Minha prece mudou. Já não procuro atalhos. Não imploro por salvamentos, não prenuncio livramentos, não ambiciono privilégios. A miséria desmedida que mata milhões de crianças me deixa insone. Fico com enxaqueca ao pensar na infância roubada, agredida e mutilada dos africanos, latino-americanos, palestinos e asiáticos. Por que, meu Deus, vivem como porcos?

Meu futuro encurta e o passado, alonga. Converto pressa em urgência. As afobações impetuosas cederam para as urgências planejadas. Otimizo o tempo. Encareço o instante. Vou passar, por isso canto com o Lenine: “Enquanto o tempo/Acelera e pede pressa/Eu me recuso faço hora/Vou na valsa/A vida é tão rara...”. Ricardo Gondim

Soli Deo Gloria

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